domingo, 10 de maio de 2015

A espera

Imagem de: http://unveiledwife.com/what-is-love-series-love-is-patient/

Já o escrevi mais de uma vez e sinto-o com enorme intensidade - a infertilidade é um jogo de espera.
Primeiro, a espera que acontecia a cada mês, que o ciclo (não) se completasse e que esta fosse a nossa vez.
Mês, após mês, a resposta não chegava. Às vezes - e com a desordem hormonal causada por anos a tomar a pílula - até esse «Não» se fazia esperar. Havia um atraso, depois outro, e de cada vez a dúvida, a esperança, a possibilidade, e os testes sempre negativos, com uma única risca a gritar a solidão e o vazio que se começavam a fazer notar. Muitas vezes chorei sozinha na casa de banho, muitas vezes maldisse o funcionamento normal do meu corpo que me dizia novamente que nenhuma vida estava a caminho.
Depois, perceber que não adiantava apenas esperar, e que estava na hora de procurar ajuda. Esperar mais, esperar pelos exames. Esperar por consultas. Esperar entre consultas. Esperar por respostas. Esperar entre cada alteração da medicação para a tiróide para repetir análises. Análises invasivas e pouco invasivas, mas sempre pessoais porque se relacionavam com o mais íntimo que pode haver entre um casal. E também os resultados se fizeram esperar - tudo normal, muito bom aliás, e um diagnóstico por exclusão: Infertilidade inexplicada.
Para uma control freak como eu, habituada a prever, a organizar, a controlar, era o derradeiro desafio. A impotência, a inutilidade de qualquer esforço, a necessidade de aceitar que não tenho controlo sobre o meu corpo e o que ele, aparentemente sem motivo, se recusa a fazer.
Depois, o início dos tratamentos. Foi só nessa altura que nos demos permissão para deixar de tentar. Baixar os braços e aceitar que, naturalmente, não ia acontecer. E viver os meses, os períodos férteis e os «Nãos» com mais naturalidade. Deixar de chorar na casa de banho. Mas no interregno da espera, chegam os meses de tratamento e com eles a inevitável esperança e o regresso da ansiedade, e o regresso dos «Nãos», ainda mais intenso do que antes.

No entretanto, ao longo da espera, alguma coisa aconteceu.
Alguma coisa mudou em mim.

E entra aqui a fé.
Como crente que sou, todo este processo ganha outras tonalidades.
Se no início era o «Não» que se sobrepunha a tudo e que era enfrentado com o meu «Porquê», pouco a pouco fui deixando de lutar. Nunca consegui pedir a Deus um filho - peço sim que seja feita a Sua vontade. Porque admito que não sei, nem tenho que saber, o que é o melhor. Porque admito que a infertilidade e a espera já me enriqueceram, apesar da dor, ou precisamente devido a ela.
 - deram-me a certeza da força do amor que vivo com o meu marido, e que por todos os gestos e todas as palavras, ao longo de já mais de 3 anos, esteve comigo neste caminho da infertilidade. É uma certeza e uma confiança que 20 anos de facilidades nunca nos dariam. Não posso exprimir a gratidão e a profundidade deste sentimento.
 - deram-me uma nova proximidade com Deus. No meio da dificuldade, quando tudo o resto falhou, voltei-me para Ele. A resposta não mudou. Talvez nunca mude. Mas a forma de a sentir, o Amor e o apoio que recebo - porque já antes me eram dados mas não os queria receber - mudam tudo.
 - deram-me (ainda estão a dar) a oportunidade de aprender a confiar e a abandonar-me. A não tentar planear tudo, a ter a humildade de admitir que os meus planos de pouco valem. E de que os meus planos podem não ser o melhor.
 - deram-me maior sensibilidade em relação aos sofrimentos dos outros, maior compaixão, um coração mais generoso.
 - deram-me a certeza de que se algum dia for mãe, seja biológica ou não, serei uma mãe infinitamente melhor do que se não tivesse tido esta espera.
 - deram-me uma nova perspetiva sobre as prioridades e o que realmente conta.

O amor é paciente.
O amor espera.

E se a espera for sempre culminada com um «Não», quero saber que pelo caminho tive tantos outros «Sins», que soube aceitá-los e agradecer cada um deles.

E aqui fica um texto muito interessante sobre a espera, para quem gostar de ler inglês. E outro,que me tocou imenso e explica tão bem o que sinto a este respeito.

6 comentários:

  1. Também sou cristã e sei que tudo coopera para o bem daqueles que amam a Deus (Romanos.8:28).
    Por isso, na hora certa a resposta certa vai chegar.
    Beijinhos e força!
    :)

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  2. Obrigada por me trazeres aqui a este teu post.
    Partilho tanto daquilo que por aqui escreveste sobre a vivência da tua infertilidade. Hoje sei que não é uma fatalidade. Que me tem dado mais do que tirado... ainda que tenha a esperança de ter muito mais futuro pela frente. Tenho a certeza que muito daquilo que tenho vivido aprendido (e que agradeço de coração) não seria possível se o destino não me tivesse trocado as voltas. Ele sabe o que faz.
    Beijinho grande e um abraço apertado :)

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    Respostas
    1. Obrigada eu, Luarte. Adorei o teu post. Quem passa por este processo acaba por perceber as entrelinhas. Um beijo grande e um abraço de volta para ti.

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